terça-feira, 10 de março de 2015

dormir de conchinha tem sido trabalho de equipe...

Ele diz que seu antebraço foi feito sob medida para a curva da minha cintura. Repousa ali o cansaço do dia, não sem antes escrever poemas inteiros nas minhas costas usando só a ponta dos dedos. Um pouco de amor para aliviar o cotidiano. Nem penso, vou logo enroscando minhas pernas nas dele e trato de ajeitar o cabelo para lhe poupar o rosto. Ajeito também as coisas no meu peito como alguém que limpa a casa para receber quem sempre esperou.

Dormir de conchinha tem sido trabalho de equipe. Até Deus fez sua parte, ao desenhar, com capricho, cada pedaço do nosso corpo, cada encosta íngreme, cada monte que se debruça sobre nossa pele branca e deságua sempre no mesmo mar. E cada gota úmida que se equilibra no penhasco das coxas corre para lá, e cada curva que segue rente às estradas que se apresentam para o nosso deleite, correm para lá. Tudo corre para o mesmo mar.  

Mas, na verdade, somos apenas dois corpos estreitados em um desejo sereno, acolhendo-se antes de dormir, e às vezes pode parecer pouca coisa. Mas não é. É de uma beleza sem tamanho. É tanto. É tanto.
                                                                                         
Então, quando ele diz que seu antebraço foi feito sob medida para a curva da minha cintura, é mentira. É só um jeito de simplificar tudo. Ele sabe que na verdade somos falésias, encontros milenares de terra e mar, esculpidos pela ação do tempo pelos últimos 180 milhões de anos. Somos feitos dessa água que avança sobre os continentes do corpo e cava curvas só para que no fim das tardes os amantes possam se encaixar.
Somos uma espécie de oração.

Solange Maia

2 comentários:

  1. Caraca! Isso é pura poesia,como sempre você arrasa! Sou sua fã!

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  2. Graciliano Ramos disse: " A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer".

    Como você diz bonito, minha amiga! Parabéns!

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