sexta-feira, 13 de março de 2015

quando tudo é quase pouco...

O tic-tac do relógio parecia acelerar o tempo ainda mais.
Ela era assim, prestava atenção em tudo, e sentia a urgência do mundo. De fato.
E, mais uma vez, aquela vontade imensa de se servir de cada prato do vasto cardápio que era a vida, inundava sua alma.
Tinha sido assim sempre, desde menina. Aliás, nem essa urgência, nem essa vontade, a deixavam descansar.
Essa ‘fome’ de vez em quando a esgotava, e ela não sabia exatamente como saciá-la.

Sabia que a ‘macro-história’ seguia, mas era sempre na ‘micro’, sempre nos pequenos detalhes, que ela sucumbia.
Conhecia as rotas de fuga desse labirinto onde desejos transformavam-se em faltas, onde amores transformavam-se em dores.
E esse não era o caminho que desejava trilhar.

Dessa vez queria conseguir. Precisava aprender a descansar no amor, a desistir do tempo, a degustar lentamente cada um dos momentos ofertados.
Mas queria levar pouca coisa.
Sem fragmentos de viagens passadas.
Bagagem leve, só mesmo a necessária.
Queria, de verdade, dias que bastassem...

Solange Maia

terça-feira, 10 de março de 2015

dormir de conchinha tem sido trabalho de equipe...

Ele diz que seu antebraço foi feito sob medida para a curva da minha cintura. Repousa ali o cansaço do dia, não sem antes escrever poemas inteiros nas minhas costas usando só a ponta dos dedos. Um pouco de amor para aliviar o cotidiano. Nem penso, vou logo enroscando minhas pernas nas dele e trato de ajeitar o cabelo para lhe poupar o rosto. Ajeito também as coisas no meu peito como alguém que limpa a casa para receber quem sempre esperou.

Dormir de conchinha tem sido trabalho de equipe. Até Deus fez sua parte, ao desenhar, com capricho, cada pedaço do nosso corpo, cada encosta íngreme, cada monte que se debruça sobre nossa pele branca e deságua sempre no mesmo mar. E cada gota úmida que se equilibra no penhasco das coxas corre para lá, e cada curva que segue rente às estradas que se apresentam para o nosso deleite, correm para lá. Tudo corre para o mesmo mar.  

Mas, na verdade, somos apenas dois corpos estreitados em um desejo sereno, acolhendo-se antes de dormir, e às vezes pode parecer pouca coisa. Mas não é. É de uma beleza sem tamanho. É tanto. É tanto.
                                                                                         
Então, quando ele diz que seu antebraço foi feito sob medida para a curva da minha cintura, é mentira. É só um jeito de simplificar tudo. Ele sabe que na verdade somos falésias, encontros milenares de terra e mar, esculpidos pela ação do tempo pelos últimos 180 milhões de anos. Somos feitos dessa água que avança sobre os continentes do corpo e cava curvas só para que no fim das tardes os amantes possam se encaixar.
Somos uma espécie de oração.

Solange Maia